Hoje eu acordei com uma certa saudade dos anos 90. Não necessariamente da cultura pop daquela época – que foi até legal, mas… nesse aspecto, acho que os anos 80 foram melhores – dá até vontade de ter nascido um pouco mais cedo, no fim dos 70’s, pra pegar o Balão Mágico (em vez da Xuxa) na segunda infância e a Legião, em sua melhor fase, na adolescência. Mas os 80’s foram uma época meio doidona ainda, meio “liberou geral” demais na desforra pós-ditadura – tão liberal que até a Dercy botou os peitos pra fora no carnaval. Nos 90’s as coisas deram uma equilibrada. E o que eu tenho saudade é que, nessa época, o mundo era menos fundamentalista.
Talvez você tenha pensado em terrorismo, homens-bomba que se matam por virgens no céu. Isso, também, é claro; é a face mais extrema, mais triste, do fundamentalismo – e pensar que há, bem ao nosso lado, quem o justifique como sendo uma resposta ao “imperialismo ocidental” e tal… Mas me desanima também ver o nosso fundamentalismo diário, cotidiano, quase onipresente, de hoje.
Hoje tudo é radical, extremo, visceral. Coxinhas de um lado, petralhas do outro, se odiando mutuamente e xingando quem tá no meio de “bundão que fica em cima do muro”. Católicos que veem heresia em todo canto e clamam por mais excomunhões (mesmo o papa dizendo que é preciso justamente o contrário), evangélicos que apedrejam umbandistas, feministas que quebram e se masturbam com imagens, invadem igrejas sem roupa, xingam velhinhas. Taxistas espancando quem tá no carro preto, black blocks jogando bomba nos homens de preto, e os homens de preto atirando primeiro pra perguntar depois…
Você é automaticamente machista, homofóbico e racista até que prove o contrário (e às vezes é difícil provar, viu?). Se come um ovo, logo aparece alguém pra te chamar de assassino de pintinhos. E o mais irônico é que nunca foi tão fácil saber o que todo moleque do interior sabe – que só vira pinto o ovo “galado”, que (quase) ninguém come. Bastaria tirar o celular do bolso e invocar o Google – nem seria preciso digitar, era só apertar o botão e perguntar, o futuro chegou. Todo o conhecimento está ao alcance de um dedo. Mas não ficamos mais inteligentes.
No fim do século passado, as pessoas não pareciam ter tanto ódio por quem pensasse diferente. O Muro de Berlim tinha caído, e uma tal de “globalização”, que prometia vir por aí, embora cheia de incertezas, dava a impressão de que todos poderiam conseguir se comunicar melhor, e talvez se entender cada vez mais. Parecia que no fundo o mundo parecia estar caminhando pra ser um só – ainda cheio de diferenças e desigualdades, mas ainda sim um só…
Não que achássemos que tudo era uma maravilha – muito pelo contrário, era a revolta com o que estava ruim, e a esperança de algo melhor, que unia a todos. Todo artista pop tinha alguma música de cunho político/social em seu repertório, e isso fazia sucesso. A mídia enfatizava e todo mundo achava um absurdo as chacinas do Carandiru, da Candelária, de Vigário Geral – ninguém em sã consciência ousava dizer publicamente que bandido, trombadinha e pobre tinha mais é que morrer mesmo – aliás, você se lembra da chacina que houve na grande São Paulo no ano passado, ou nem ficou sabendo? Todo mundo torcia pra que as guerras do Golfo e da Bósnia acabassem logo, e se revoltavam com as atrocidades que viam lá – ao contrário, por exemplo, da guerra da Síria de hoje, que muitos nem sabem onde fica. Defender a volta da ditadura era coisa de uns poucos sem estudo, ou então de velhinhos saudosos de uma época cujos horrores lhes tinham sido ocultados. Dava pra entender, e não julgar quem pensasse assim. Jovens foram às ruas e ajudaram a derrubar um presidente sem botar uma máscara no rosto – e sem xingar ninguém de “comunista-vai-pra-cuba”.
Procure ver os debates que o Serginho Groisman fazia no Programa Livre, tudo ao vivo, todo santo dia. Era o programa mais respeitado, e ao mesmo tempo temido pelos convidados, por causa das perguntas dos adolescentes da plateia. Muito além de sexóloga respondendo questões ingênuas que o “meu amigo quer saber”; os jovens já iam pra lá já com algum conteúdo, e quase sempre mostravam saber lidar muito bem com políticos de todos os partidos, ativistas de todas as causas, gente de tudo quanto é tipo – botando na parede se preciso, e quase sempre sem perder o respeito. Tudo, repito, ao vivo, à tarde, na TV. Algo inimaginável hoje…
De repente, pois, tudo pareceu regredir, e não estávamos preparados pra isso. A exemplo de nossos pais, imaginávamos que no futuro teríamos de saber como lidar com uma nova geração mais “descolada” que a nossa – e não mais xiita. Mas, ao derrubar as torres em Nova York, em 2001, Bin Laden parece ter reerguido um novo muro, separado novamente o mundo, incitado tudo quanto é tipo de conflito. O barbudo, mesmo morto, parece estar mais vivo do que nunca, fazendo com que tudo cada vez mais seja feito com ódio, com guerra.
Sim, melhoramos em muitas coisas, graças a Deus! Não desejo nunca a volta de uma época em que um telefone fixo custava mil dólares (tinha que declarar no imposto de renda!) e pra comprar uma bala Sete Belo tinha que desembolsar uma nota de 2 mil cruzeiros – hoje, porque amanhã já podia estar 3 mil. Em que o trabalho e a mortalidade infantis eram uma realidade muito maior, e a fome e a miséria bem piores. Em que não havia genéricos, proibição de fumar em lugar fechado, celular, internet.
Mas gostaria, sinceramente, que tivéssemos também evoluído junto com isso tudo…
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